SINTESE 2- UM EVANGELHO GNÓSTICO
O Gnosticismo (da palavra grega gnose: conhecimento) pregava que o mundo havia sido criado por uma divindade imperfeita e que, por isso, a vida na Terra era apenas uma forma maléfica usada para aprisionar o espírito humano e que o bem só seria alcançável em um nível espiritual. Também por isso, eles acreditavam que não havia porque nos culparmos pelos males existentes na Terra, uma vez que tudo isso era propiciado pela prisão material da qual deveríamos nos libertar e que fora criada pelo deus mal que criara a Terra.
Para os gnósticos o Deus bom, um ser espiritual e supremo, havia apenas interferido no processo de criação ao inserir em cada ser humano uma centelha divina que nos tornava capazes de despertar e conhecer a verdade. Então, Cristo, para os gnósticos era um mensageiro desse Deus que veio com o objetivo de nos ensinar a despertar.
Os primeiros gnósticos viveram no período do século II ao V e, assim como todas as crenças que surgiram naquela época, tinham seus próprios textos e evangelhos, mas estes textos, condenados em 180 d.C. pelo bispo de Lyon, São Irineu (o mesmo que escolheu quais seriam os evangelhos canônicos), em seu livro “Contra as Heresias” foram banidos pela Igreja na ocasião do Concílio de Nicéia que foi, digamos, a inauguração da Igreja Católica moderna.
O gnosticismo acredita que há como que dois deuses; um deus bom e outro mau; e o mundo teria sido criado pelo deus mau, um deus menor, que eles chamam de demiurgo; este seria o nosso Deus da Bíblia, dai todas as tragédias contadas nela. Para esta crença, as almas dos homens já existiam em um universo de luz e paz (Plenoma); mas houve uma “tragédia” algo como uma revolta e assim esses espíritos foram castigados sendo aprisionados em corpos humanos, como em uma cadeia, pelo deus demiurgo, e que os impede de voltar ao estado inicial.
A dualidade é presente no pensamento gnóstico e frequente no evangelho de João:
Luz e trevas | Enquanto tendes luz, crede na luz, para que sejais filhos da luz. Estas coisas disse Jesus e, retirando-se, escondeu-se deles.
E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.
E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más.
Falou-lhes, pois, Jesus outra vez, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida.
|
Cima e baixo | |
Dia e noite | |
Glória dos homens e de Deus | Porque amavam mais a glória dos homens do que a glória de Deus.
|
SINTESE 3- CONTROVÉRSIAS
A personalidade de Jesus segundo João é extremamente controversa, como se Jesus fosse bipolar e confuso dizendo coisas desarmônicas e contraditórias o tempo todo:
Jesus julga ou não julga? | E se alguém ouvir as minhas palavras, e não crer, eu não o julgo; porque eu vim, não para julgar o mundo, mas para salvar o mundo.
| |
Testifica de sí mesmo?
| ||
Batizava? | “Depois disto foi Jesus com os seus discípulos para a terra da Judéia; e estava ali com eles, e batizava” “Houve então uma questão entre os discípulos de João e os judeus acerca da purificação. E foram ter com João, e disseram-lhe: Rabi, aquele que estava contigo além do Jordão, do qual tu deste testemunho, ei-lo batizando, e todos vão ter com ele”
| “E quando o Senhor entendeu que os fariseus tinham ouvido que Jesus fazia e batizava mais discípulos do que João (Ainda que Jesus mesmo não batizava, mas os seus discípulos),”
|
Recebe testemunho de homens? | Vós mandastes mensageiros a João, e ele deu testemunho da verdade. | Eu, porém, não recebo testemunho de homem; mas digo isto, para que vos salveis.
|
Seus irmãos criam nele? | Disseram-lhe, pois, seus irmãos: Sai daqui, e vai para a Judéia, para que também os teus discípulos vejam as obras que fazes.
| Porque nem mesmo seus irmãos criam nele. |
Ia pra festa ou não? | Subi vós a esta festa; eu não subo ainda a esta festa, porque ainda o meu tempo não está cumprido. | Mas, quando seus irmãos já tinham subido à festa, então subiu ele também, não manifestamente, mas como em oculto.
|
Qual o motivo? | E os judeus maravilhavam-se, dizendo: Como sabe este letras, não as tendo aprendido? | Respondeu Jesus, e disse-lhes: Fiz uma só obra, e todos vos maravilhais.
|
Queriam mata-lo? | “Não vos deu Moisés a lei? e nenhum de vós observa a lei. Por que procurais matar-me? A multidão respondeu, e disse: Tens demônio; quem procura matar-te?”
| “Então alguns dos de Jerusalém diziam: Não é este o que procuram matar? E ei-lo aí está falando abertamente, e nada lhe dizem. Porventura sabem verdadeiramente os príncipes que de fato este é o Cristo?”
|
Criam nele pelos sinais? | A multidão, pois, que estava com ele quando Lázaro foi chamado da sepultura, testificava que ele o ressuscitara dentre os mortos.
| E, ainda que tinha feito tantos sinais diante deles, não criam nele;
|
Servos ou amigos?
| Já vos não chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer.
| Lembrai-vos da palavra que vos disse: Não é o servo maior do que o seu senhor. Se a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa. |
Paz ou morte? | Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.
| Expulsar-vos-ão das sinagogas; vem mesmo a hora em que qualquer que vos matar cuidará fazer um serviço a Deus.
|
Perguntaram ou não?
| Disse-lhe Tomé: Senhor, nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho?
| E agora vou para aquele que me enviou; e nenhum de vós me pergunta: Para onde vais?
|
Vão me ver de novo? | Da justiça, porque vou para meu Pai, e não me vereis mais;
Um pouco, e não me vereis; e outra vez um pouco, e ver-me-eis; porquanto vou para o Pai.
| Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós.
Assim também vós agora, na verdade, tendes tristeza; mas outra vez vos verei, e o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém vo-la tirará.
|
Fez sinais ou não? | Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou.
| Vendo, pois, aqueles homens o milagre que Jesus tinha feito, diziam: Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo.
|
Esta vivo ou morto na páscoa? | Ora, antes da festa da páscoa, sabendo Jesus que já era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, como havia amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até o fim. E, acabada a ceia, tendo já o diabo posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, que o traísse,
| Os judeus, pois, para que no sábado não ficassem os corpos na cruz, visto como era a preparação (pois era grande o dia de sábado), rogaram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas, e fossem tirados.
|
Viram os sinais? | Responderam, pois, os judeus, e disseram-lhe: Que sinal nos mostras para fazeres isto?
| E, estando ele em Jerusalém pela páscoa, durante a festa, muitos, vendo os sinais que fazia, creram no seu nome.
|
SÍNTESE 4 ABSURDOS CRONOLÓGICOS
O autor ignora qualquer ordem cronológica dos fatos e comete o tempo todo anacronismos e absurdos geográficos:
No capítulo 11 ele narra que Lázaro quando estava enfermo foi depois que Maria ungiu jesus:
“Estava, porém, enfermo um certo Lázaro, de betânia, aldeia de Maria e de sua irmã Marta. E Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com ungüento, e lhe tinha enxugado os pés com os seus cabelos, cujo irmão Lázaro estava enfermo”
João 11:1,2
Mas no capítulo seguinte ele diz que Maria ungiu jesus com unguento depois que Lázaro já tinha morrido e ressuscitado:
“Foi, pois, Jesus seis dias antes da páscoa a betânia, onde estava Lázaro, o que falecera, e a quem ressuscitara dentre os mortos. Fizeram-lhe, pois, ali uma ceia, e Marta servia, e Lázaro era um dos que estavam à mesa com ele.
Então Maria, tomando um arrátel de ungüento de nardo puro, de muito preço, ungiu os pés de Jesus, e enxugou-lhe os pés com os seus cabelos; e encheu-se a casa do cheiro do ungüento”
João 12:1-3
Maria ungiu Jesus quando?
Antes de Lázaro morrer | Depois que Lázaro morreu |
Estava, porém, enfermo um certo Lázaro, de betânia, aldeia de Maria e de sua irmã Marta. E Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com ungüento, e lhe tinha enxugado os pés com os seus cabelos, cujo irmão Lázaro estava enfermo. Mandaram-lhe, pois, suas irmãs dizer: Senhor, eis que está enfermo aquele que tu amas. | Foi, pois, Jesus seis dias antes da páscoa a betânia, onde estava Lázaro, o que falecera, e a quem ressuscitara dentre os mortos. Fizeram-lhe, pois, ali uma ceia, e Marta servia, e Lázaro era um dos que estavam à mesa com ele. Então Maria, tomando um arrátel de ungüento de nardo puro, de muito preço, ungiu os pés de Jesus, e enxugou-lhe os pés com os seus cabelos; e encheu-se a casa do cheiro do ungüento.
|
Salto cronológico
“E depois disto Jesus andava pela Galiléia, e já não queria andar pela Judéia, pois os judeus procuravam matá-lo. E estava próxima a festa dos judeus, a dos tabernáculos”
João 7:1,2
O capítulo parece ser uma continuidade do capítulo 6, porque ele menciona que os judeus queriam mata-lo. Mas no capítulo seis estava próximo da páscoa:
“E a páscoa, a festa dos judeus, estava próxima”
João 6:4
Há uma diferença de meses entre as festas da páscoa e dos tabernáculos.
Outro salto cronológico
“E em Jerusalém havia a festa da dedicação, e era inverno. E Jesus andava passeando no templo, no alpendre de Salomão”
João 10:22,23
Se alisarmos as festas estabelecidas por Deus em sua Lei (Lv 23) não encontraremos nenhuma festa chamada dedicação e muito menos encontraremos qualquer festa estabelecida durante o período do inverno.
Sendo assim, ao que João está se referindo?
No dia 25 do mês de Dezembro, correspondente naquela ocasião ao dia 25 do mês hebraico de Kislev, os gregos profanaram o altar do Templo em Jerusalém, ergueram uma estatua do Deus Júpiter em homenagem ao seu suposto nascimento nesta data e sacrificaram porcos no altar de sacrifício.
A partir daí determinou que todo dia 25 de cada mês, todos os judeus deveriam participar de todo tipo de abominação relacionado ao culto e adoração a falsos deuses como Dionísio e Baco, sendo condenado a morte todo aquele que se recusasse a fazê-lo.
Exatamente 3 anos após o Templo ter sido profanado, no mesmo dia e mês, Judas Macabeus e seus companheiros, após expulsarem o exercito grego de Israel, purificaram o Templo de todas as abominações que ali foram cometidas e re-dedicaram o altar ao Senhor.
Ficou então determinado que durante 8 dias, a partir do dia 25 do Mês hebraico de Kislev (Novembro/Dezembro), inverno em Israel, o dia da re-dedicação do Templo e do altar, essa vitória milagrosa sobre o exercito grego seria lembrada na festa da Dedicação, também conhecida como a Festa das luzes, Hanukkah.
O evangelho de João é quase todo situado na proximidade da páscoa, mas as vezes ele dá saltos cronológicos que destoam da narrativa.
E a páscoa, a festa dos judeus, estava próxima.
E estava próxima a páscoa dos judeus, e muitos daquela região subiram a Jerusalém antes da páscoa para se purificarem. | E estava próxima a festa dos judeus, a dos tabernáculos. | E em Jerusalém havia a festa da dedicação, e era inverno. |
Erros geográficos
Jesus escapa dos judeus e vai para o rio Jordão onde João batizava, há milhares de quilômetros de Jerusalém:
“Procuravam, pois, prendê-lo outra vez, mas ele escapou-se de suas mãos, E retirou-se outra vez para além do Jordão, para o lugar onde João tinha primeiramente batizado; e ali ficou”
João 10:39,40
No milagre de andar sobre as águas o autor não menciona Pedro e situa o milagre em outro lugar:
João | Mateus |
E, entrando no barco, atravessaram o mar em direção a Cafarnaum; e era já escuro, e ainda Jesus não tinha chegado ao pé deles. | Então aproximaram-se os que estavam no barco, e adoraram-no, dizendo: És verdadeiramente o Filho de Deus. E, tendo passado para o outro lado, chegaram à terra de Genesaré. |
Jesus se esconde dos judeus:
"Enquanto tendes luz, crede na luz, para que sejais filhos da luz. Estas coisas disse Jesus e, retirando-se, escondeu-se deles"
João 12:36
E após umas menções a Isaias o autor retoma o texto dizendo que jesus aparece do nada clamando como se nunca tivesse se escondido:
"E Jesus clamou, e disse: Quem crê em mim, crê, não em mim, mas naquele que me enviou. E quem me vê a mim, vê aquele que me enviou. Eu sou a luz que vim ao mundo, para que todo aquele que crê em mim não permaneça nas trevas"
João 12:44-46
No capítulo dois, Jesus está em Jerusalém, capital da Judéia
"E, estando ele em Jerusalém pela páscoa, durante a festa, muitos, vendo os sinais que fazia, creram no seu nome"
João 2:23
E no capítulo seguinte:
"Depois disto foi Jesus com os seus discípulos para a terra da Judéia; e estava ali com eles, e batizava"
João 3:22
Ou seja, ele vai para a Judeia, mas já estava na Judeia, é o mesmo que eu sair de Belo horizonte e ir para Minas Gerais.
Os acontecimentos de todo o capítulo 5 desenrolam-se em Jerusalém, mas, em João 6:1, o narrador informa que Jesus foi para “o outro lado do Mar da Galileia; porque é que o narrador diz que Jesus foi “para o outro lado” se Jesus não estava em nenhum lado deste Mar (que, no fundo, trata-se de um lago de dimensões modestas)?!
O autor demonstra uma ignorância geográfica acerca da Palestina da época
O autor demonstra também desconhecer as festas judaicas
Nenhum comentário:
Postar um comentário