quarta-feira, 24 de junho de 2020

Dom de línguas segundo a bíblia


DOM DE LÍNGUAS

Algumas denominações pentecostais acreditam que o fiel ao ser batizado pelo espirito santo, recebe um dom de falar em línguas de anjos.


Isso chama-se glossolalia. Glossolalia é a junção dos termos glossa (língua) + lalia (falar) e sua definição é:

- Suposta capacidade de falar línguas desconhecidas quando em transe religioso.
- Distúrbio de linguagem observado em certos doentes mentais que creem inventar uma linguagem nova.

Mas isso não aprece no novo testamento. Vamos analisar alguns pontos:


Língua dos anjos ou idiomas estrangeiros?

Em atos dos apóstolos no pentecostes os apóstolos discursavam e cada um ouvia em sua própria lingua:

"E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos concordemente no mesmo lugar; E de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. E em Jerusalém estavam habitando judeus, homens religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu. E, quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua. E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! não são galileus todos esses homens que estão falando? Como, pois, os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos?
Atos 2:1-8


Dialektos = διάλεκτος

E foi notório a todos os que habitam em Jerusalém; de maneira que na sua própria língua esse campo se chama Aceldama, isto é, Campo de Sangue.
Atos 1:19

E, havendo-lho permitido, Paulo, pondo-se em pé nas escadas, fez sinal com a mão ao povo; e, feito grande silêncio, falou-lhes em língua hebraica, dizendo:
Atos 21:40

(E, quando ouviram falar-lhes em língua hebraica, maior silêncio guardaram). E disse:
Atos 22:2

E, caindo nós todos por terra, ouvi uma voz que me falava, e em língua hebraica dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Dura coisa te é recalcitrar contra os aguilhões.
Atos 26:14

Note que até quando Jesus apareceu para Paulo segundo ele mesmo, ele falava um idioma humano mesmo, o hebraico.

As outras duas ocorrências de falar em línguas no novo testamento também se referiam a idiomas estrangeiros:

E os fiéis que eram da circuncisão, todos quantos tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios. Porque os ouviam falar línguas, e magnificar a Deus.
Atos 10:45,46

E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam línguas, e profetizavam.
Atos 19:6


DOM DO ESPIRITO SANTO
Alguns versículos de Paulo dão a entender que o espirito santo concede o dom de falar em línguas:

E a outro a operação de maravilhas; e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir os espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a outro a interpretação das línguas.
1 Coríntios 12:10

Portanto, irmãos, procurai, com zelo, profetizar, e não proibais falar línguas.
1 Coríntios 14:39

Têm todos o dom de curar? falam todos diversas línguas? interpretam todos?
1 Coríntios 12:30

Dou graças ao meu Deus, porque falo mais línguas do que vós todos.
1 Coríntios 14:18

glóssa =  γλῶσσα,
glóssais = γλώσσαις

Mas era línguas de anjos que Paulo estava falando ou idiomas estrangeiros?

Paulo se intitulava o apóstolo dos gentios e suas pregações tinham esse público que falava muitas línguas diferentes, desde o Grego, Latin até outros dialetos. Portanto o objetivo do espirito santo era conceder o dom de pregar o evangelho para esse público, ou seja, fazer com que os enviados conseguissem transmitir corretamente o evangelho nesses idiomas que não eram os seus.

Note que Paulo diz que falava mais línguas que eles, significando que eram idiomas humanos mesmo, pois se fosse uma língua de anjos não seria plural e Paulo o diria.

Então esse DOM do espirito santo tinha um propósito bem específico, o de pregar as boas novas a diferentes povos e nações e não apenas um batismo ou um ritual mistico. tanto que o próprio Paulo disse que esse dom cessaria porque depois que o evangelho fosse pregado a todo mundo conhecido não haveria mais necessidade do mesmo:

O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
1 Coríntios 13:8

Note que em várias outras ocasiões especiais do novo testamento não houve dom de línguas porque não era necessário, porque o dom só era concedido para pregação:

o    Jesus soprou o seu Espírito sobre os seus discípulos: João 20:21-22
o    Na conversão do Eunuco: Atos 8:35-39
o    Na conversão de Paulo: Atos 9:1-9
o    Após Pedro e João estarem perante o Sinédrio: Atos 4:31-33
o    No Batismo de Lídia: Atos 16:13-15
o    Na conversão do carcereiro e sua casa: Atos 16:30-34

Em nenhuma dessas ocasiões ocorreu esse dom.

O apóstolo Paulo demonstrou que o falar em línguas deve seguir regras específicas e determinadas:
o    É uma atividade secundária, de importância menor e muitas vezes indesejável: I Coríntios 14:3 e 14:23

Mas o que profetiza fala aos homens, para edificação, exortação e consolação. O que fala em língua desconhecida edifica-se a si mesmo, mas o que profetiza edifica a igreja.
1 Coríntios 14:3,4

o    Exige a necessidade de intérprete: I Coríntios 14:27

E, se alguém falar em língua desconhecida, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete.
1 Coríntios 14:27

o    Caso não haja intérprete, não deve haver o falar em línguas: I Coríntios 14:28

Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus.
1 Coríntios 14:28

o    Somente dois, quando muito três podem falar em línguas: I Coríntios 14:27
o    Somente um pode falar por vez: I Coríntios 14:27 e 14:30
o    Não deve haver confusão: I Coríntios 14:33

Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos.
1 Coríntios 14:33

o    Tudo deve ser feito com ordem e decência: I Coríntios 14:40
o    As línguas não devem ser buscadas (Deus é quem decide): I Coríntios 12:18


Os sinais e milagres sempre foram utilizados com funções específicas. É importante que tenhamos em mente que os sinais de Deus ocorrem em determinado momento, para validar Sua mensagem através de um mensageiro Seu, ou para cumprir um propósito específico determinado pelo próprio Deus, e depois desaparecem quando não são mais necessários. Podemos ver claramente este fato ao estudarmos a história de Moisés, de Josué e de Elias. Num determinado momento, Moisés foi capaz de abrir um caminho seco através das águas, de modo que o povo de Deus pôde passar a seco pelo Mar Vermelho. De modo similar, Josué pôde abrir as águas do Jordão para que o povo de Deus pudesse atravessá-lo a seco. Em nenhum outro momento o sinal de criar separação de águas ocorreu.

O sinal de línguas foi a capacidade sobrenatural de se falar um idioma estrangeiro sem prévio estudo ou conhecimento deste, e o dom de línguas é a facilidade para se falar vários idiomas diferentes.

Paulo ao repreender os coríntios sobre a necessidade de ordem no culto, disse que os indoutos, aqueles sem estudo, não entenderiam os que estavam falando línguas (I Coríntios 14:16 e 23), demonstrando de modo inequívoco que, ao contrário, os doutos, aqueles que tem erudição, poderiam entender, e portanto, os coríntios estavam falando um idioma humano existente e inteligível (pelo menos para aqueles que tivessem cultura suficiente para entendê-lo). Também em I Coríntios 14:21 Paulo, citando Isaías, especifica que "por outros lábios falarei a este povo", descrição esta que também aponta diretamente para uma linguagem humana existente.

Em I Coríntios 14:18, Paulo afirma categoricamente que falava mais línguas que os coríntios. Ora, Paulo falava hebraico, aramaico, grego, latim, e possivelmente ainda outras línguas mais, como o copta. Mas, eram todas línguas humanas existentes...

Está escrito na lei: Por gente de outras línguas, e por outros lábios, falarei a este povo; e ainda assim me não ouvirão, diz o Senhor. De sorte que as línguas são um sinal, não para os fiéis, mas para os infiéis; e a profecia não é sinal para os infiéis, mas para os fiéis.
1 Coríntios 14:21,22

Os dons era para a edificação da igreja e não de si próprio como hoje
Assim também vós, como desejais dons espirituais, procurai abundar neles, para edificação da igreja.
1 Coríntios 14:12

Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas. E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, Querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo,
Efésios 4:10-13

Existem várias passagens, relatando dons espirituais, que foram escritas após 56 d.C., onde o dom de línguas não é mencionado. Vejamos:

"De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé; se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino; ou o que exorta, use esse dom em exortar; o que reparte, faça-o com liberalidade; o que preside, com cuidado; o que exercita misericórdia, com alegria." (Romanos 12:6-8)

"Cada um administre aos outros o dom como o recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus. Se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus; se alguém administrar, administre segundo o poder que Deus dá; para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem pertence a glória e poder para todo o sempre. Amém." (I Pedro 4:11)

I Coríntios foi escrita enquanto Paulo planejava mudar-se para Éfeso (I Coríntios 16:8), indicando que o ano era então 56 d.C.

A epístola aos Romanos foi escrita por Paulo em 57 d.C., durante sua permanência de três meses na Grécia (Atos 20:1-3), especificamente em Corinto. Lá Paulo residia com Gaio (Romanos 16:23 e I Coríntios 1:14) e Erasto era o procurador da cidade de Corinto (Romanos 16:23). Especial atenção deve ser dada ao fato desta carta ter sido escrita em Corinto e de não haver nela qualquer menção ao dom de línguas! A inferência direta disto é a de que a Igreja já havia sido exortada e corrigida quanto ao uso indevido e desordenado deste dom!

Já I Pedro foi escrita, provavelmente, pouco antes de se iniciar a perseguição de Nero aos Cristãos em 64 d.C. Estes fatos nos sugerem que, através do ensinamento do apóstolo Paulo o dom de línguas foi colocado como sendo secundário no seio da Igreja, a qual deu preferência à profecia e ao ensino:

"E eu quero que todos vós faleis em línguas, mas muito mais que profetizeis; porque o que profetiza é maior do que o que fala em línguas..." (I Coríntios 14:5)

E, sendo assim, não haveria mais a pratica deste dom na Igreja, pelo menos não como algo comum.


DOM DE DEUS MESMO OU PSICOLÓGICO?

O falar em línguas extático não se iniciou com Cristãos, na verdade é uma prática muito mais antiga. A primeira referência histórica que se tem de uma fala religiosa frenética remonta a 1.100 a.C. através do relato de Wenamon, onde um jovem adorador do deus Amon, após ter oferecido sacrifícios ao seu deus, foi possesso por ele e iniciou a falar freneticamente. Esta ação, segundo este relato, durou toda uma noite.
Platão demonstrou conhecer o falar em línguas extático ao descrevê-lo em vários de seus diálogos. No Phaedrus ele tratou de famílias que estavam participando de santas orações, ritos e pronunciamentos inspirados. Os participantes eram indivíduos que ao serem possessos perdiam o juízo (perdiam o controle das faculdades mentais, porém não ocorria enlouquecimento). A participação nestes eventos segundo o relato de Platão chegava a produzir a cura física de doenças nos adoradores. A essa "loucura" religiosa ele chamou de dádiva divina. Também afirmava que a profetiza de Delphos e a sacerdotisa de Dodona, quando fora de si, podiam exercer grande influência benéfica sobre certos indivíduos, porém quase nenhuma quando em domínio de suas faculdades mentais. Relatou fatos semelhantes no Ion e no Timaeus. Neste último, relata que quando um homem recebe a palavra inspirada, sua inteligência é dominada ou possessa, e essa pessoa passa a não poder se lembrar do que falou, sendo que estas falas são muitas vezes acompanhadas de visões, as quais a pessoa possessa também não pode julgar, necessitando assim de intérpretes ou profetas para exporem as declarações daquele que tem a fala "inspirada".
Já Vergílio relata que a sacerdotisa Sibelina adquiriu seu falar extático em visita a uma caverna onde os ventos encanados produziam sons estranhos que pareciam, às vezes, música.
Já a Pitonisa de Delfos é descrita por Crisóstomo2, desta forma:

"...diz-se então que essa mesma Pitonisa, sendo uma fêmea, às vezes senta-se escarranchada na trípode de Apolo, e, por conseguinte, o espírito mau, subindo debaixo e entrando na parte baixa do seu corpo, enche de loucura a mulher, e ela, com o cabelo desgrenhado, começa a tocar o bacanal e a espumar pela boca, e assim, estando num frenesi, fala as palavras de sua loucura".


A história não registra entre Cristãos a ocorrência de um falar em línguas extático antes do início do século XX, quando do início do pentecostalismo. Porém, em alguns grupos pequenos e isolados, os quais se diziam cristãos, houve a ocorrência de um falar em línguas extático. Vejamos alguns destes que alegaram ter tido este "dom":

Século 19
Irvingitas: Sua principal característica era a de criar novas revelações além das presentes na Bíblia Sagrada.

Século 18
Ann Lee e seus discípulos (Shakers): Falavam em línguas enquanto dançavam...nus!!
Jansenitas: Falaram em línguas ao dançarem sobre o túmulo de Jansen...também nus!!

Século 17
Os Quacres, diziam que a experiência devia julgar a Bíblia e não o contrário, há alguns relatos de que houve glossolalia entre eles.

Século 2
Montanuenses: também pregavam a contínua revelação e duas classes de crentes, uma superior e outra inferior; Montano, seu líder, alegava ser o próprio Espírito Santo.
Pelo exemplo da postura doutrinária e moral destes que alegaram através dos tempos serem cristãos, e terem falado línguas enquanto em êxtase, podemos afirmar seguramente que não se tratava de verdadeiros Cristãos, pois desdenhavam da palavra de Deus como Sua máxima revelação.
O falar em línguas extático entrou para o Cristianismo, através do movimento pentecostal iniciado por Spurling, Tomlinson e Parham, no início do século XX. Charles Parham foi tido como o pai do pentecostalismo moderno, tendo criado o Lar de Curas Betel e o Colégio Bíblico Betel, o qual ensinava que a evidência do batismo com o Espírito Santo seria sem dúvida a glossolalia. Deste ponto em diante se desenvolveu o movimento pentecostal, perseguindo o batismo com o Espírito Santo e sua evidência visível, a glossolalia. Em 1o de janeiro de 1901, Agnes Ozman, uma das alunas do colégio falou em línguas após ter buscado freneticamente pelo batismo com o Espírito Santo. Ela foi a primeira pessoa dita Cristã a demonstrar a glossolalia.

O movimento pentecostal, teve um crescimento gradual, mas lento, e somente surgiu como um movimento de grandes proporções a partir de meados do século XX. E daí até aos dias de hoje, os distintivos pentecostais, que antes estiveram restritos aos meios pentecostais, começaram a invadir as igrejas tradicionais, e muitas estão sucumbindo a algumas das práticas pentecostais.


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