Cidade sagrada para árabes, judeus e cristãos, Jerusalém, graças ao seu poder simbólico, tem sido historicamente palco de terríveis guerras e massacres entre os seguidores de Deus, de Jeová e de Alá. Leia a seguir uma síntese do milenar combate entre os deuses pela posse dos lugares santos.
Imaginem um jardim situado entre dois desertos e próximo a um mar que não tem vida, o Mar Morto. Ao sul dele espalha-se o terrível Neguev e, ao oriente, as áridas areias avermelhadas da Judéia. A escassa água que por ele corre tornou-se através dos séculos motivo de lutas entre todos os povos vindos das terras escaldantes dos arredores. Além disso, entre os ciprestes e rochas que se espalham pelos Montes de Sion, Scopus, Moriah e Oliveiras, encontram-se inúmeras grutas e cavernas que todos supõem serem sagradas.
De pedra cinza-claro, a beleza e mistériodelas exerceu sempre um espantoso efeito de atração sobre
os habitantes da antiga Canaã.Pensavam que por aquelas aberturas naturais feitas na rochas os deuses enviavam-lhes augúrios ou advertências.Eram, diziam, as gargantas dos deuses.
Os ruídos e estranhos sons por elas omitidos somente cabia aos profetas e aos iluminados de Deus entender.
A capital das 12 tribos
Bem ali, em meio àquele desconsolo de pedras e areia que cercava um riacho, envolvida por um ar de magia e fé, formou-se Jerusalém! Num dos seus primeiros momentos, as lutas pela sua posse entre filisteus politeístas e monoteístas hebreus, conduziram a que o rei Davi, o sucessor de Saul, conquistasse-a dos jebusianos. Supõe-se que ao redor do ano 1000 a.C., o rei-pastor consagrou-a como a capital de todas as 12 tribos de Israel. Sucedido em 970 a.C. pelo seu magnífico filho, o sábio rei Salomão, com seus tributos de 666 talentos de ouro, com quatro mil estábulos para os seus 12 mil cavalos, Jerusalém tornou-se a digna morada de Jeová, em honra de quem o lendário rei, trazendo cedros do Líbano, reformou o Primeiro Templo. O deus dos hebreus deixava de ser uma divindade dos desertos para ir habitar um grande centro. Confirmação da magnificência do poder e da sabedoria do grande rei foi a visita que lhe fez a tão celebrada e bela rainha de Sabá.
Da idade do ouro ao cativeiro
Aqueles bons tempos idílicos do povo de Israel, quando Jeová reinou poderosamente sobre as terras da Palestina, vivem até hoje na memória dos judeus. Foi sua Era de Ouro. Mas então pairou sobre eles uma enorme nuvem vinda do Oriente. A era das delícias encerrou-se bruscamente em 597 a.C., quando o rei babilônio Nabucodonosor II marchou contra Jerusalém. Conforme as terríveis previsões do profeta Ezequiel, que prognosticou a catástrofe, Naburzadã, o general babilônico, para sufocar a revolta de Sedecias, destruiu o templo sagrado e pulverizou a capital no ano de 586 a.C.. Os seus habitantes viram-se reduzidos à escravidão. Os templos e os céus daquela Cidade Santa esvaziaram-se, enquanto a parte mais aquinhoada do povo hebreu foi levada em cativeiro para a Babilônia.
Ciro ordena a reconstrução
Ciro, o Grande, rei dos persas, o conquistador da Babilônia, condoído com a situação dos judeus escravizados, decidiu permitir que o povo de Jeová, então agrilhoado àquela grande cidade, retornasse ao seu sítio. Pelo decreto real de 538 a.C., autorizou a saída dos hebreus de lá e sua reinstalação na Palestina. De volta à sua antiga capital, o rei permitiu que o altar dos holocaustos fosse novamente erguido. O alto comissário persa Zorobabel e o supremo sacerdote Josué supervisionaram então o reerguimento do Segundo Templo(obra que imagina-se ter-se iniciada ao redor do ano de 520 a.C.). Com ele restaurado, os persas manifestaram a sua intenção estratégica de fixar os hebreus recém-retornados libertos do cativeiro da Babilônia para que servissem como uma forte barreira contra os egípcios, inimigos do grande rei.
Macabeu contra Zeus
Dois séculos mais tarde, foram os deuses olímpicos que vieram atormentar o remanso de Jeová. Zeus e Marte trazidos em 332 a.C. nas pontas das lanças das falanges de Alexandre, o Grande, tomaram de assalto a cidade sagrada. A política de tolerância religiosa do afamado conquistador macedônico, porém, não foi seguida pelos seus sucessores. Antíoco Epifanes, um inábil governante, exigiu que Zeus fosse cultuado dentro do templo, enquanto proibia aos judeus de praticar os seus ofícios. O resultado não se fez esperar. Em 168 a.C., eclodiu a terrível rebelião dos macabeus. Primeiro foi o sacerdote ancião Matatias, o Hasmodeu quem comandou a resistência, em seguida foi seu filho Judas, o Macabeu ("o martelo") que liderou a revolta até que Zeus e Marte fossem expulsos dos altares do Templo de Jerusalém. Depois, devidamente purificados, instituiu-se a festa da Hanucá, a "festa das luzes".
A política de Herodes
Nem bem o todo-poderoso do monte Olímpico retirara-se de Jerusalém quando, em 63 a.C., chegou a vez Júpiter Capitolino lá ir assentar-se. Dessa vez o novo deus viera trazido pelas poderosas legiões romanas de Pompeu.
Foi por essa época, da aliança entre Jeová dos judeus e Júpiter Capitolino dos romanos que uma seita de camponeses, pastores e alguns pescadores floresceu na Galiléia, aproximando-se depois para as cercanias da cidade.
Jesus Cristo
Eles seguiam um pregador milagroso de Nazaré chamado Jesus. Para os crentes, era evidente que aquele homem santo tratava-se do tão esperado messias, o salvador, anunciado pelo profeta Elias. Apesar de ter concentrado sua atividade ao redor do Mar da Galiléia (Lago Tiberíades), Jesus Cristo percebeu que a grande batalha se daria com a conversão de Jerusalém. A qual ele também previu maus agouros. Quando ele saía do Templo em Jerusalém e os discípulos mostravam-lhe as construções do grande edifício, ele lhes disse; "Estais vendo tudo isto? Em verdade vos digo: não ficará pedra sobre pedra que não seja demolida"(Mateus, 24). Numa das páscoas, ele fizera uma entrada triunfal na cidade sagrada, onde a multidão o acolheu com palmas. Mas foi só. Os demais hebreus, principalmente os sacerdotes do Sinédrio, viram-no como um herético, um desordeiro.
Julgado e crucificado
"Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados, quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos... e não o quiseste!"
Jesus Cristo (Mateus, 23)
A rebelião dos judeus
No ano de 66, a sempre tensa paz entre romanos e hebreus foi rompida. Milhares deles, a partir de Cesaréia, durante quase quatro anos, pegaram em armas numa tentativa inútil de expulsar os funcionários de César da terra prometida. A vingança de Júpiter Capitolino foi terrível. Em 70, o general romano Tito, obedecendo as ordens do seu pai Vespasiano, enviados ambos à Palestina para reestabelecer a ordem imperial, assaltou Jerusalém, e incendiou e arrasou o templo, não sem antes promover-lhe o saque completo. Deu-se assim a segunda destruição do templo, separada da primeira, executada pelos babilônicos fazia quase 600 anos atrás. No arco comemorativo de Tito, erguido em Roma,
celebrando o episódio, pode-se ver num dos frisos o desfile dos troféus pilhados pelos romanos. Entre eles, o enorme Candelabro de Hanuká, o das sete velas, carregado pelos vitoriosos. A destruição do templo desarticulou o povo hebreu. Doravante o seu único amparo viria do Livro, das rezas e das súplicas.
Os hebreus, gente sem terra, sem templo e sem rei, a partir de então, principalmente depois do fracasso do levante de Bar Kokhba (esmagado pelo general romano Julius Severus no ano de 135), passaram a ser referidos como judeus. Marcados como um povo danado, obrigado a errar para cá e para lá aos sabores do acaso. Espalharam-se. Jeová, reduzido ao nomadismo dos tempos das tribos de Israel, rumou então para a longa diáspora que se estendeu por dezenove séculos. Nesse tempo todo virou um errático, num deus quase clandestino, cultuado muitas vezes à socapa. Cumpria-se, assim diziam, coletivamente, a maldição que Jesus teria lançado sobre o sapateiro Aasverus de Jerusalém o qual, negando-se a dar-lhe apoio quando cambaleava indo com a cruz para o Gólgota, foi condenado a vagar pelo mundo sem lar e sem sepultura por toda a eternidade.
Enquanto isso, a cidade de Jerusalém transformou-se num quartel romano. O imperador Adriano, que a visitou no ano de 131, chamou-a de Aelia Capitolina.
Jerusalém cristã
Entrementes, o Cristianismo ganhava adeptos em Roma e em Bizâncio, ofuscando Júpiter Capitolino. O mundo pagão declinava e o dos seguidores de Jesus ascendia. Jerusalém, quase deserta, empobrecida e abandonada por todos, foi salva do mais completo desconsolo pela conversão do imperador Constantino, o Grande (ocorrida em 312). Foi Helena, a imperatriz-mãe, uma fervorosa adepta da nova religião, quem lá chegando atrás da cruz, providenciou o reconhecimento dos lugares santos por onde Jesus passara e sofrera, restaurando o trajeto do calvário e mandando erguer a Igreja do Santo Sepulcro. Assim por meio de uma série de obras piedosas fizeram com que dali em diante Jerusalém também se tornasse um lugar de devoção dos cristãos. Os seus portões passaram então a abrir-se, acolhendo as levas de peregrinos recém-convertidos à nova fé do Império Romano.
A chegada de Alá
Tudo parecia indicar que Jerusalém, com o banimentos dos judeus, daria abrigo perpétuo ao deus cristão. Então um novo e empolgante deus emergiu dos desertos da Arábia, logo trazido até a Palestina pelas cimitarras dos beduínos. Foi a vez de Alá deslocar o deus cristão, instalando-se na cidade santa pelas mãos do califa Omar, que a ocupou em 636. Em pouco tempo, os minaretes dominaram a paisagem. Não demorou muito para que o grande edifício da Esplanada da Mesquita, com sua maravilhosa cúpula dourada - que brilha como um sol no seu esplendor -, afirmasse que dali em diante a Palestina inteira deveria seguir os ensinamentos do profeta. Construíram-na sobre o Monte Moriah, bem sobre a pedra em que o patriarca Abrãao teria feito o sacrifício do seu filho Isaac e de onde, bem mais tarde, o espírito de Maomé erguera-se em direção ao além.
Maomé e os hebreus
Jerusalém, três vezes sagrada
Dessa forma, com a conquista árabe, o polígono amuralhado da cidade que já abrigava o deus dos cristãos e o pouco do que restara de Jeová, passou a celebrar doravante o poderoso Alá. Assim, desde o século VII, Jerusalém tornou-se triplamente sagrada: era o repouso da Arca Sagrada dos judeus, a Cidade Santa dos cristãos, e o santuário dos islâmicos. Em cada uma das suas pedras havia a lembrança de uma história, em cada esquina ou sobrado dera-se uma aparição, ora era um anjo muçulmano, um arcanjo cristão, ou ainda uma assombração para um rabino. Em cada uma das suas inúmeras ruelas passara um homem santo, um profeta ou um provável messias. Jerusalém inteira e seus arredores estava coberta de sinais da santificação, do miraculoso, do inescrutável, do sobrenatural. Para as três grandes religiões, era o vestíbulo dos céus, um prévio entreposto humano antes da chegada do reino de deus.
As Cruzadas
A tolerância de Saladino
O retorno de Jeová
Shalom!
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